sábado, 25 de agosto de 2012

A Madona dos cachorros e do Bairro do Recife







São 8h de um dia normal de trabalho. As pernas apressadas, as buzinas dos automóveis, as angústias alheias ou mesmo o forte calor ou frio passam despercebidos diante do acordar preguiçoso de Madona e dos seus cachorros Mineiro, Crioulo e Alexandre. Apesar de não ter endereço certo, sua cama de papelão e os poucos objetos que possui ficam abrigados em frente a uma antiga lanchonete – hoje desativada – ou a uma agência bancária, ambas na avenida Marquês de Olinda, no Bairro do Recife.
Para os desavisados, os olhares são de desprezo ou de curiosidade, diante de uma figura ora agressiva, ora louca, ora alegre, que dança, grita e solta os piores palavrões. Para quem trabalha na região e acompanha o dia-a-dia dessa moradora de rua, sentimentos de dó e carinho se misturam à indignação diante de tal (falta de) condição humana: não são raros os momentos nos quais Madona, bêbada, tira suas já escassas roupas ou fica a conversar e mimar os seus cães, com chupetas, colo e carinhos.
Apesar de ter um atestado de insanidade, segundo afirmação de uma de suas irmãs, Josenilda Gomes de Oliveira, 47 - a Tuca, como é conhecida - Madona dos Cachorros, quando não está sob o efeito do álcool, ela prova que a sua “loucura” é mais uma tática de sobrevivência, que poderia facilmente ser utilizada por qualquer um de nós. “Eu sempre precisei me defender. Hoje ainda mais. Aliás, quem não precisa se defender nesse mundo?”, solta a moradora de rua, naquelas sabedorias de quem aprendeu muito com a vida.
Com suas frases “eita, que homem bonito danado” ou “veja como ela parece com a Kelly Key”, ela vai ganhando R$ 1 aqui, outro ali, para comprar sua cachaça e o leite dos cachorros. Às vezes, quando a bebida permite, ela ainda vai ao Mercado de São José, e consegue alguns restos dos comerciantes de lá. “Eu mexo com todo mundo né, menina? Não tem jeito pra mim”, brinca.
O que pouca gente sabe – mesmo quem já “convive” com ela há certo tempo – é que, por trás da degradante aparência, Madona já foi uma mulher belíssima e uma das mais desejadas entre marinheiros e boêmios que viviam nos bares e boates das noites do Recife Antigo entre as décadas de 80 e 90.
“Eu fui dançarina primeiro que ela. Comecei a batalhar com 11 anos e ela me seguiu quando completou 13 anos. A gente batalhava juntas com gringos, principalmente gregos e filipinos e ganhava em dólar. Madona era uma loira de cabelo grande, comprido, cintura fina, alta, pernão. Ela era loira original. E ainda tinha estudado e falava inglês muito bem. Fazia bastante sucesso entre os homens”, conta sua irmã Tuca.
José Carlos da Silva, o Robô, que trabalha há 40 anos no Bairro do Recife e já fez diversos tipos de serviços, diz que conheceu Madona desde menina, sempre com o mesmo nome. E ele garante: “ela era muito bonita”. “Quando cheguei aqui, ela já fazia prostituição. Aí depois ela viajou, arrumou um estrangeiro. E quando voltou, voltou desse jeito. Nos outros lugares, acredito que ela tenha feito prostituição também”, conta Robô.
Para Tuca, a situação de Madona, hoje, só aconteceu por causa de uma macumba feita por uma prostituta, na época em que ela morava no Porto de Santos. “Lá em Santos, Madona ganhou muito dinheiro. Tinha uma puta que tinha um estrangeiro e Madona ficou com ele. Acho que ela fez um catimbó pra Madona. Porque, desde lá, a vida da minha irmã não deu mais certo, o cabelo dela, que era grande, começou a cair. Ela foi morar em São Paulo, na casa da minha irmã que mora lá. Aí teve um acidente de carro e hoje ela tem uma platina no braço e outra na cabeça. Quase que morre”.
Desse episódio de sua vida, Madona não se esquece: “Foi minha mãe que mandou eu voltar pra cá. Eu estava num cativeiro (no hospital) e não tinha dinheiro pra voltar. Eu estava num cativeiro (no hospital) e não tinha dinheiro pra voltar”. “Depois desse acidente, Madona, que nunca foi muito aprumada, endoidou de vez”, lamenta Tuca.


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